domingo, 21 de fevereiro de 2010

Avenida Brás Leme, Julho de 2009. Oito horas da Noite.

Uma senhora de meia idade passeava com seu cachorro pela ciclovia. O ar estava tranqüilo. Finamente o frio dera uma trégua, por enquanto. O trânsito na avenida era sossegado, formando um ambiente agradável para uma volta por entre as árvores da pequena estrada de concreto.

A senhora tinha raízes grisalhas nos cabelos enrolados. Seus olhos eram levemente largos, denunciando sua descendência japonesa. O pequeno cachorro era semelhante a uma vassoura de pêlo. Cheirava o chão à procura de um bom lugar para satisfazer suas necessidades fisiológicas. Andavam em um ritmo preguiçoso, apreciando o ambiente quase verde em meio ao oceano cinza da cidade.

De repente dois ciclistas passaram em alta velocidade pela senhora, fazendo voar seus cabelos. O cachorro hesitou em andar, com medo de ser atropelado.

- Cara, não corre aqui não. Vocês são doidos! – gritou a senhora, sentindo-se desrespeitada. Em resposta, um dos ciclistas berrou de volta:

- Vai dormir, caralho!

E continuaram a correr, tornando as palavras da senhora inaudíveis. Para os dois, tudo o que importava no momento era a garrafa de vinho que revezavam. Havia apenas alguns goles restantes na garrafa, mas eram protegidos como se fossem de ouro.

As duas bicicletas tinham cores contrárias uma da outra. Uma delas, a laranja, ia na frente, subindo e descendo pelos bancos e degraus que apareciam no caminho. A outra, a azul, pulava cada vez mais alto obstáculos, em sua maioria imaginários ou até sacolas de lixo largadas e falhas no asfalto.

- Olha! – um deles gritou, apontando para um terreno cercado por um muro pichado. – É a quermesse dos exclusivos. – Mais cedo, em busca do tão sonhado vinho, tinham ido até lá. Mas foram barrados por não possuírem um crachá.

- É. – disse o outro, dando um longo gole na garrafa, talvez o último. – Mas nós conseguimos comprar. Isso é o que importa.

- Sim. Foi difícil conseguir. Ainda bem que ainda existem pessoas dispostas a ajudar o próximo. – eles riram, lembrando a mentira que tiveram de inventar para conseguir a gentileza de uma mulher para conseguir a garrafa de vinho. Além do esforço descomunal para achar um estabelecimento com um saca-rolha.

A noite avançava enquanto eles adentravam os limites da Casa Verde. Precisariam contornar aqueles grandes morros para enfim alcançar o Limão.

Mais uma vez sentiam a valiosa sensação de liberdade. Flutuavam sobre aquela máquina de esforço físico, varando a avenida com uma alegria incontrolável. Afinal, tinham algo mais forte e valioso do que uma simples garrafa adquirida no Center Norte, em Vila Guilherme. Havia algo que não podia ser controlada pela sobriedade, e que já passara por metade da cidade, e os confins de Guarulhos e Osasco.

Amizade.



(ciclovia da Avenida Brás Leme, em Santana)

4 comentários:

  1. Parabéns! ótima narração! Você não esqueceu de nenhum detalhe, deixando seu leitor a par de toda a situação..Capaz até de descrever a cor do mosquito que estava voando no momento..rsrs Continue assim, quem sabe não dá um livro?

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  2. Sabe, ver como você escreve bem até me da inspiração para escrever. Isso é uma milagre.
    Parabens!

    =]

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  3. Putaa alee mandou MTO bem no textoo .. tá otimo mesmo.. e meu adoreii o blog seu andador de bicicleta. Bjoo te adoro
    auhauhauhuhauha

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